Yangtsé, Amarelo, Mekong: Grandes Rios da China (II)
14 de maio de 2010
Por: Naomi Doy | Seção: Depoimentos | Tags: Expo Xangai 2010, inundações, Joseph Needham, secas, Usina dasTrês Gargantas
Relata Simon Winchester que um dos planos do historiador Joseph Needham, alojado na cidade de Chongqing para fazer suas pesquisas, era justamente observar a estrutura projetada por Li Bing para conter o ímpeto do Rio Min e que há tantos séculos vinha controlando as águas que se precipitavam de uma escarpa em vertiginosa velocidade. Ele se espantou e se maravilhou com mais esta proeza hercúlea dos chineses. Para Needham, isso se igualava às obras da Grande Muralha e às da construção do Grande Canal, ambas realizadas há 2.000 anos.
Needham não testemunharia o que viria, de fato, a ser feito de hercúleo nos anos vindouros na tentativa não só de domesticação dos rios, como também para fazer face ao espetacular desenvolvimento que vinha demandando cada vez mais a necessidade de maiores recursos hídricos e hidrelétricos. Por exemplo, a construção da gigantesca Usina das Três Gargantas, no Rio Yangtsé, finalizada em 2009, considerado o maior projeto de construção na China desde a Grande Muralha, e que tiraria da Usina de Itaipu o título de maior hidrelétrica do mundo. E de outros quase 80 projetos chineses de hidrelétricas com canais, eclusas, diques, barragens de contenção e explosões de correnteza, que estão atualmente em várias etapas de preparação e construção, em todos os grandes rios da China. Todos eles visando a prevenção de enchentes, geração de energia e transporte fluvial.
Tudo isso, claro, causa milhares de perdas, transtornos, controvérsias e protestos, senão alguns desastres. Segundo o jornalista Thomas Fuller, do The New York Times, em artigo no suplemento da Folha de S.Paulo (12/abril/2010), os países ao longo do Rio Mekong culpam a China e não a natureza quando acontecem episódios de seca devastadora na região como recentemente – acusam os chineses de estarem “sequestrando” as águas dos rios. Apesar de, neste episódio, sólidas evidências científicas levarem a crer que realmente o baixo nível das chuvas fora responsável pela redução dos níveis do rio.
Quarenta anos após as suas pesquisas na China, Needham retornou a Chongqing em 1982, e não reconheceu a cidade onde morara por um tempo. Devido aos projetos futuros da construção da Usina das Três Gargantas e ao desenvolvimento industrial na região, Chongqing se tornara também um pólo comercial, com porto fluvial já bastante movimentado.
Se Needham retornasse a Chongqing hoje, certamente estaria à testa de alguma organização ambientalista, tentando desesperadamente proteger, qual guardião fiel, o majestoso e (antes) indomável Yangtsé que ele tanto amava e pelo qual navegara muitas vezes. Hoje, várias pontes ligam os dois lados do rio domesticado em seu percurso até o Delta; milhares de navios de diversos calados, barcos, sampanas, e embarcações, as mais variadas, vão e vem sem cessar ao longo do rio, e oito linhas de reluzentes monotrilhos correm em elevados paralelos ao rio. Um complexo conjunto de monumental eclusa dupla de 5 níveis possibilita a plena navegação comercial e turística.
Certamente os chineses em geral – um povo que sempre viveu da benevolência e da magnanimidade dos seus rios, a vida de milhões deles dependendo do humor desses rios – saúdam todo esse progresso com orgulho e misto de incontida inquietação. E reivindicam um crescimento qualitativo atrelado a um desenvolvimento equilibrado. ONGs ecológicas chinesas, como o Friends of Nature, Global Village of Beijing e Green Earth Volunteers, vêm tendo mais penetração ultimamente, embora ainda bastante policiadas pelo Governo. O próprio SEPA – Administração de Estado para a proteção do meio ambiente – vem tentando bloquear vários grandes projetos país afora, que não se enquadrem dentro da proposta sustentável da China.
O tema da Expo Xangai-2010 é justamente “Better City – Better Life”. Na “cidade sobre mar e águas” bem que poderia se subentender, implicitamente, “Better Rivers – Better Environment”. Porque a China precisa estar consciente do passado, do presente e do futuro de suas águas, tentando frear crescimentos que beirem ao escape do controle. Assim como nós, brasileiros, precisamos estar conscientes dos nossos rios, nossos mares e nossos aquíferos, procurando pesar os prós e contras da exploração necessária, mas sustentável dos nossos recursos hídricos – recursos com os quais Brasil e China foram, igualmente, tão generosamente abençoados.