Tentando aproximar a Ásia da América do Sul e vice-versa

Um Professor de Geografia, Cearense de Sobral

30 de julho de 2010
Por: Naomi Doy | Seção: Depoimentos | Tags: Adamantina/Ceará; advogado-político-professor José Euclides Ferreira Gomes Jr. | 2 Comentários »

Dissertações elucidativas e didáticas do economista Paulo Yokota sobre regiões norte-nordeste do Brasil que vêm sendo publicadas neste site, resgatam remotas aulas de Geografia, de gratas lembranças.

Adamantina, cidade a oeste do estado de São Paulo, anos 50, contava no nível ginasial – além de dois colégios particulares – com um ginásio estadual, cujo exame de admissão era bastante rigoroso. Atraía estudantes até de cidades vizinhas pela fama do excelente corpo docente e pela qualidade do ensino. Uma grande porcentagem de seus alunos era filhos de imigrantes japoneses.

Entre professores que marcaram nossa adolescência, destacava-se um advogado e sociólogo de ilustre estirpe de políticos cearenses, de quem nunca soubemos como fora parar naqueles confins paulistas. Olhos perscrutadores, sério e sisudo, o professor José Euclides Ferreira Gomes Júnior intimidava à primeira vista. Mas atrás daquele olhar penetrante se escondia um homem afável, reservado, um poço de cultura e muito carisma. A política era o seu assunto predileto. Seria eleito vereador na cidade, e foi combativo líder da câmara adamantinense.

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Professor José Euclides Ferreira Gomes Júnior. Assinando o livro de posse como prefeito de Sobral

Facilidades audiovisuais eram quase inexistentes então. Os professores tinham que se desdobrar para motivar a classe, mas o professor Euclides cativava os alunos com suas aulas repletas de curiosidades. Quando as lições se reportavam à geografia do norte-nordeste brasileiro, contagiava a classe com seu enorme entusiasmo pela história e coisas da terra da qual ele era conhecedor nato. Seus relatos eram recheados de tradições nordestinas de valores e bravura. Até avançava na matéria de Português e Literatura Brasileira quando falava de escritores da região como José Lins do Rego, Graciliano Ramos, ou Rachel de Queiroz cuja família e a do professor se frequentavam em Sobral.

A propósito das provações e segregações sofridas pelos imigrantes japoneses do interior de São Paulo nos anos durante e pós-Guerra, o professor nutria grande simpatia. Talvez ele próprio se sentisse exilado em terras de imigrantes e de cafezais, tão diferentes do Ceará. Essa compaixão pelos japoneses fez nascer relação de profunda empatia professor – alunos nikkeis em todas as séries do Ginásio. Tanto que, ao término do curso ginasial, a nossa classe de 1955 (quase 70% nisseis) o elegeria com unanimidade para paraninfo da turma. Na cerimônia da formatura, o professor fez eloquente e tocante discurso, enaltecendo, entre outras coisas, a comunidade nikkei de Adamantina. No meu álbum de recordações do ginásio, o professor deixou escritas duas páginas de palavras que me acompanham até hoje.

Tempos depois, o professor resolvera voltar a Sobral enquanto os filhos cresciam, e lá retomara a política, se elegendo vereador e depois prefeito, nos anos 70. Seria considerado o melhor prefeito de Sobral, de todos os tempos. Inúmeras obras na cidade atestam seu arrojado espírito empreendedor. Dois de seus filhos o auxiliariam e seguiriam a carreira política, vindo a se destacar em importantes cargos nas esferas municipal, estadual e federal.

Por ocasião do Centenário do Tratado de Amizade Brasil-Japão, 1995, integrando comitiva de missão diplomático-comercial ao Japão, Ciro Gomes, ex-ministro da fazenda e então deputado federal pelo Ceará, em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, disse lamentar que seu pai, adoentado, não pudesse acompanhá-lo: convivendo outrora com nipo-brasileiros em “cidadezinha do interior paulista”, ele tinha adquirido respeito e gosto pela tradição, cultura e culinária japonesa, e teria adorado conhecer o país do sol-nascente.

O professor guardara muitas coisas daqueles anos de vivência em Adamantina; talvez se lembrasse da nossa turma, seus afilhados, quem sabe até de uma aluna que o perturbava com perguntas pertinentes e impertinentes. Igualmente, eu guardara comigo o anseio de um dia poder lhe dizer o quanto suas lições de vida e de cidadania marcaram nossas mentes e corações. Lições que extrapolavam, em muito, as aulas de Geografia.


2 Comentários para “Um Professor de Geografia, Cearense de Sobral”

  1. America Farias da Silva
    1  escreveu às 19:12 em 2 de agosto de 2010:

    Artigo muito interessante, principalmente por fornecer informações sobre a familia de Ciro Gomes.

  2. naomi
    2  escreveu às 07:01 em 3 de agosto de 2010:

    Querida América, thanks; estou para conhecer ainda um político probo como o Prof. José Euclides.