Haruki Murakami Ensina Como Superar Pressões
1 de fevereiro de 2011
Por: Naomi Doy | Seção: Livros e Filmes | Tags: Haruki Murakami, Norwegian Wood e Beatles, O que eu Falo quando Falo de Corrida, Suicídios, Vazio Existencial | 1 Comentário »
Decidida a conferir por que livros de Haruki Murakami se tornam blockbuster instantâneo entre jovens, comecei com aquele cujo título me atraía e atingia 20 milhões de exemplares no Japão: Norwegian Wood, 1987 (Portugal: Civilização Edit. – 2004), da canção-título dos meus eternos ídolos. Na canção de 1965, que faz o protagonista do livro se lembrar de ex-amada, Norwegian wood é madeira de pinho boa para mobília e para lenha de lareira; Lennon nos transmite sensação de aconchego: “so I lit a fire; isn’t it good, Norwegian wood?” Detalhe: o título original do livro é “Norway-no-Mori”, Norwegian woods. Não vá botar fogo nos bosques da Noruega, Lennon.
No enredo, que recorda ritual de passagem pós-adolescência em Tóquio-1969, sobressai sequência das histórias de cada personagem. São todos solitários, perdidos entre experiências sexuais, estudos tediosos, e vazio saturado de tristeza por amores não correspondidos: Toru que ama Naoko, que ama Kizuki, que se suicida. Midori que ama Toru, que ama Naoko, que se suicida. Preparada para ser virtuose do piano desde os quatro anos de idade, e muitas tentativas de suicídio, Reiko é como irmã para Naoko, Naoko cuja cintilante irmã – superestudante, superatleta, com paredes do seu quarto cobertas de medalhas e certificados de excelência – havia se suicidado. Hatsumi namora Nagasawa, amigo de Toru e brilhante aluno da Todai, que a humilha, maltrata e a abandona. Hatsumi se mata. Suicídio é uma fuga fácil demais para os problemas, um gesto fácil demais para ser imitado por almas fragilizadas. (Em 1970 o escritor Yukio Mishima cometia espetacular suicídio-seppuku, abalando a juventude japonesa).
O protagonista de Norwegian Wood, Toru Watanabe, 20 anos de idade, era vidrado em livros como O Grande Gatsby e A Montanha Mágica, sobre juventude dourada de duas épocas distintas em momentos cruciais da História: de F. Scott Fitzgerald, ícone da Geração Perdida pós-horrores I Guerra, e de Thomas Mann que questionava valores políticos e morais do mundo pré e pós-horrores II Guerra. O jovem Haruki Murakami (Kyoto, 1949) cultuava esses dois escritores e outros como Jack Kerouac – todos em buscas existenciais. Autor e protagonista são representativos da geração après guerre do Japão, do consumismo desenfreado, da juventude que tinha tudo, educada ao ápice por zelosas kyoiku mamas. Dominavam qualquer assunto e arrasavam ao piano e violino, ou guitarra, violão, ao executarem Bach, Mozart, jazz, Beatles, bossa-nova. Porém, incapazes de se relacionar, amar, se dar ou receber – trancados desde tenra idade num pequeno mundo dourado. Em tal contexto, sem um apoio espiritual, frágil será um jovem para suportar a pressão de contínua competição e permanente cobrança de alta performance. Um outsider, Toru sobrevive incólume.
Ao se transformar em ícone de cultura pop mesmo sem querer, há que se cuidar com o que despeja mundo afora com sua caneta ou suas digitações, quando quem compra seus livros são multidões de jovens em formação, num país onde suicídio é quase herança cultural. Uma só palavra sua pode ser senha para libertação, ou para destruição.
Segundo estatística divulgada pela Agência Nacional de Polícia do Japão no começo de janeiro, o número de suicídios ultrapassou 30.000 pelo 13º ano consecutivo: 31.560 pessoas se mataram no país em 2010. O Partido Democrata do Japão, do governo Naoto Kan, com colaboração de ONGs, lançou um grupo de trabalho para estudar medidas anti-suicidas para antes de março próximo; é a época em que, segundo a NHK, o índice de suicídios tende a subir devido ao fechamento do ano fiscal e mudanças nas empresas, que sempre provocam cortes em empregos e consequentes problemas sociais.
Em 2007, Haruki Murakami lançou novo best-seller, Do que eu falo quando eu falo de corrida (Brasil: Editora Alfaguara, 2010): são ensaios sobre o ato de correr e sobre o que pensa uma pessoa enquanto ela corre, ou o que leva uma pessoa a correr maratonas; tudo recheado com tiradas e reflexões pessoais. Preocupado com vida sedentária, Murakami se tornara fundista e triatleta, levando milhares de fãs a também se viciarem em corridas. Jovens, crianças, velhos, balzaquianas acessam seu endereço eletrônico comentando sobre tipos e marcas de tênis, agasalhos para corridas, como melhorar a performance etc. etc., e a compartilhar a sensação de euforia e bem-estar atlético pós exercícios. Haruki Murakami, quem diria, de guru pop pós-moderno virou personal trainer on-line. Médicos alertam: sensação de euforia atlética pode produzir hormônios de bem-estar para o corpo e a alma. Ponto para Murakami-san.
Murakami-san está certo. Praticar esportes deixa o indivíduo mais "forte", mais otimista, mais reflexivo. A autosuperação para continuar correndo é um verdadeiro remédio contra o desânimo da vida.
Nada melhor do que o esporte para aprender a superar obstáculos.