Jishuku: Autocomedimento e Circunspeção
26 de março de 2011
Por: Naomi Doy | Seção: Depoimentos | Tags: autorrefreamento, reserva; NHK-News, The Japan Times
Nos dias que se seguiram ao 11 de março, o Japão foi tomado por sentimento coletivo que mescla autocomedimento, pesar reservado e grave circunspeção, jishuku. É sentimento que vem do íntimo de cada um, voluntariamente (sem que ninguém dite regras ou diga o que seja apropriado) nos momentos de grande perda ou comoção nacional. Nos últimos tempos, o país experimentou esse sentimento nos dias após a rendição do Japão na Segunda Guerra, quando tiveram que “suportar o insuportável” em meio à fome, racionamentos e devastação de grandes metrópoles (Tóquio principalmente) bombardeadas e incendiadas por blitz aérea, e duas outras destruídas por bombas nucleares. Quando da agonia e morte do Imperador Showa em janeiro de 1989, o país também observou um período de jishuku: mergulhado em luto e pesar profundo, o povo se absteve, por longas semanas, de promover ou participar de eventos, voluntariamente: inaugurações, festividades, espetáculos, até festas de casamento foram adiados ou cancelados, considerados impróprios e inadequados para o momento.
Na semana que se seguiu ao 11 de março, eventos e manifestações públicas foram todos cancelados. Formou-se uma cadeia de união e solidariedade à dor da população do nordeste. Em Tóquio e adjacências, teatros, cinemas e lojas de luxo cerraram portas, festas, inaugurações, exposições e eventos artísticos ou esportivos adiados. Para pesar de atletas internacionais que tanto se empenharam em treinos, o campeonato mundial de patinação artística que seria sediado no país foi cancelado. É um esporte em que o Japão vem se destacando muito ultimamente. A Liga de Beisebol Profissional do Pacífico adiou a abertura da temporada em alguns dias, para 29 de março, mas a opinião pública japonesa, cujo esporte mais popular e amado é o beisebol, não aceitou. Criticou a insensibilidade da Liga: ela não se irmanava com a dor da população do nordeste nem se importava com a grave crise do fornecimento de energia (muitos jogos são realizados à noite). Por ora, a abertura está marcada para 12 de abril e nenhum jogo noturno será disputado nesse mês.
Mark Schilling, do The Japan Times (Japan’s film industry faces quake fallout), analisa a postura da indústria do entretenimento face à tragédia. O setor ofereceu serviços sem visar lucros nesse período. Todas as cadeias de TV, privadas ou não, como a estatal NHK, deixaram as programações normais para se dedicarem exclusivamente à cobertura do terremoto e suas consequências, informando e orientando a população. Estreias de filme e eventos cinematográficos, apresentações teatrais e concertos foram cancelados, enquanto distribuidoras fecharam salas de cinema no Tohoku, região nordeste, onde espaços foram cedidos para receber desabrigados. A Oriental Land, que administra a Disneylândia de Tóquio, anunciou o fechamento dos parques por tempo indeterminado. Aproveitam o recesso para avaliar as edificações, avariadas pelos tremores. Distribuidores observam a sua forma de jishuku retirando, adiando ou trocando filmes cujo conteúdo não seja conveniente para o momento (Além da Vida, de Clint Eastwood, com cena do tsunami de 2004 na Indonésia aumentada por efeitos especiais; O Ritual, com Anthony Hopkins; e Aftershock, drama de Feng Xiaogang sobre o terremoto de 1976 em Tangshan, China). A indústria do cinema antevê crise, locações sofreram danos na região nordeste e Kantô-norte, filmagens foram canceladas.
Entrementes, gente envolvida com cinema vem se engajando em campanhas de arrecadação de fundos para ajudar a Força Cívica, unidade emergencial de ajuda às vítimas do terremoto; superastros como Ken Watanabe, Kenichi Matsumoto e Kiyoka Suzuki emprestam seus sites. Exibições para caridade foram programadas para o V Festival Internacional do Filme de Hong Kong, na semana que passou, onde se notou a quase total ausência da cinematografia japonesa.
Quando a população japonesa enfim se recompõe do perfil jishuku, começa a retomar sua vida normal, e arregaça mangas para a recuperação, a solidariedade se impõe e se espalha pelo mundo todo.