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O Problema da Venda de Terras Para Estrangeiros

25 de agosto de 2016
Por: Paulo Yokota | Seção: Economia e Política, Editoriais e Notícias | Tags: conveniências nacionais, legislação em muitos países, longa experiência no INCRA, os problemas no Brasil

A questão das vendas das terras rurais brasileiras para os estrangeiros que volta a ser discutida na imprensa deve ser tratada com racionalidade, recomendando-se cuidados já previstos na atual legislação brasileira que parecem adequados, pois também encontram respaldo nas orientações adotadas em muitos países.

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A experiência do projeto Jari e áreas próximas recomendam uma extrema cautela na venda de terras rurais para grupos estrangeiros

Como fui presidente do INCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária por um longo período e enfrentei algumas questões cruciais, sinto-me na obrigação de relatar a minha experiência no assunto, entendendo que as proteções previstas na atual legislação brasileira devem ser preservadas. O Brasil adota uma posição pragmática permitindo que grupos estrangeiros adquiram o controle de terras rurais até um determinado limite por município que não coloque em risco o problema dos interesses nacionais. O caso mais esclarecedor está na gigantesca região de Jari, na fronteira do Estado do Pará com o Amapá.

Na posição de uma autoridade brasileira, decidi conhecer o projeto Jari em loco e informei que desceria com o avião do INCRA no aeroporto local. Fui informado pelo pessoal da Jarí que se tratava de um projeto privado e não teria autorização para tanto, mas tomei a decisão de aterrissar no seu aeroporto privado contra a orientação, alegando que qualquer ato contrário desafiaria a segurança de uma autoridade federal brasileira. Conheci as contribuições do projeto como os muitos erros que estavam sendo praticados pelo então grupo de Daniel Ludwig, corrigidos posteriormente ainda que parcialmente.

Ludwig, um empresário extremamente ousado, estava executando experimentalmente o plantio de arroz em 100 mil hectares de terra, uma escala exagerada, que não se mostrou economicamente viável. Ele trouxe da África uma essência e a plantou numa área desmatada que se revelou deficiente. Finalmente, acabou plantando eucalipto no meio da floresta para fornecer a matéria-prima indispensável para a fábrica de celulose que veio do Japão, rebocada por um navio.

Ao lado do projeto Jari havia outra pretensão gigantesca de um grupo estrangeiro, cujas variadas documentações apresentavam muitas falhas. Seu principal proprietário, com pesados investimentos petroquímicos no Extremo Oriente, acabou fazendo uma declaração na Palestina que, se os árabes precisassem, ele teria a necessária na Amazônia. O Conselho de Segurança Nacional recomendou-me que providenciasse a desapropriação desta pretensa área, que se correta chegaria até Cuba atravessando o Atlântico. Como é sabido, o INCRA só desapropria em dinheiro as benfeitorias legitimas e as terras legais em títulos da dívida agrária. O grupo, utilizando pesados lobbies internacionais (incluía dois ex-secretários do Tesouro e de Estado dos Estados Unidos), pretendia que estudos efetuados para a possível exploração também fossem indenizados em dinheiro, o que não foi admitido. Como havia muitas dúvidas sobre as documentações das terras, foi feito o depósito em juízo sobre as terras legítimas em títulos da dívida pública e, desde que confirmados na sua legalidade pelo Judiciário, seriam liberadas. As benfeitorias existentes eram mínimas e seus valores também foram depositados em juízo.

Em muitos países, principalmente do Sudeste Asiático, as terras rurais são consideradas do rei ou do imperador. São concedidas para a exploração privada por um determinado período de tempo. Isto acontece também na Austrália, onde a concessão é dada até o máximo de 99 anos. Aparenta o que acontece nos terrenos da Marinha no Brasil. Portanto, a propriedade destas terras não é privada e os seus exploradores não se beneficiam dos ganhos de capital que possam ocorrer no tempo.

O percentual de terras para estrangeiros no Brasil é um máximo de 25% por município, não havendo necessidade de um percentual tão elevado. Havia possibilidade de arrendamento de terras de propriedade de brasileiros para a exploração pelos estrangeiros, pois sem uma tributação adequada sobre os ganhos capital acaba se tornando uma forma de redução das cargas tributárias para os proprietários. O uso de concessões também é uma alternativa a ser considerada. A possibilidade de que grupos estrangeiros proporcionassem recursos para a reforma agrária seria pouco interessante, pois nos projetos de assentamento as terras representam cerca de 10% de todos os demais investimentos indispensáveis para pequenos produtores atendidos. Parecem ser as considerações mais relevantes a serem apontadas para as discussões que devem ser detalhadas.