Tentando aproximar a Ásia da América do Sul e vice-versa

Sessão Tietagem Com Toshiro Mifune

1 de abril de 2010
Por: Naomi Doy | Seção: Livros e Filmes | Tags: ator preferido de Akira Kurosawa, Barba Ruiva, cowboy/samurai errante, Por um Punhado de Dólares, Rashomon, Shane, Yojimbo | 2 Comentários »

mifune O ator japonês mais conhecido no ocidente era de nacionalidade chinesa, de pais japoneses cristão-metodistas. Nascido em Qingdao, Shandong, a 1º/abril/1920, cresceria em Dalian, na Manchúria, onde seu pai tinha empresa de importação e loja de materiais fotográficos. Com a rendição do Japão, sua família é repatriada em 1946. Aos 19 anos, Toshiro tinha-se engajado na aeronáutica japonesa como fotógrafo aéreo, na Segunda Guerra. Falava fluente mandarim, seu nome de nascimento era Sanchuan Minlang.

Fazendo testes em uma companhia cinematográfica para vaga de fotógrafo, é inscrito incidentalmente por um amigo para a seleção de atores. É escolhido entre dezenas de candidatos. A colaboração com Akira Kurosawa começaria em 1948, com Drunken Angel. Kurosawa intercederia pouco depois a seu favor junto à família de sua futura esposa, a também candidata a atriz Sachiko Yoshimine: por Mifune ser não-budista e repatriado da Manchúria, a família dela se opunha terminantemente ao casamento.

A parceria Kurosawa-Mifune seria uma das mais profícuas colaborações de diretor-ator da história do cinema, e foi um exemplo de entrosamento de um diretor com confiança integral no seu staff.

Mifune notabilizou-se por seus personagens rudes, com modos e tiques cômicos, ao mesmo tempo ingênuos e ladinos, mas sempre cheios de sabedoria prática que deixavam transparecer uma sutil nobreza de caráter. Seus papéis exigiam destreza na espada e na luta, artes que aprimorou, sob preceitos do bushidô, ao longo de sua vida.

Sua fama internacional começou com o papel do “bandido” em Rashomon (1950), e se consagraria em Os Sete Samurais (1954). O samurai desempregado e sem rumo, vindo de lugar nenhum, seria revivido em outros filmes, como Yojimbo (1961): o guerreiro errante, mercenário compassivo, caminhando solitário pela estrada poeirenta, é uma imagem recorrente em nossa memória, de pungente conotação pícaro-romântica.

O diretor italiano Sérgio Leone aproveitaria esse tipo errante em Por um Punhado de Dólares (1964): Clint Eastwood foi um dos atores americanos que adotou e aperfeiçoou a figura do andarilho sem nome, ao longo da sua carreira. Aliás, esse filme provocou um processo judicial por plágio movido e ganho por Kurosawa.

Vale lembrar que George Stevens já havia introduzido, em 1953, o cowboy que se tornaria um mito dos westerns: o estranho sem rumo e de passado misterioso, Shane, encarnação do cavaleiro solitário que foge de um passado talvez não muito limpo, e que não antevê qualquer futuro (Os Brutos Também Amam, 1953). Depois de exterminar vilões, Shane/Alan Ladd rodopia a arma nos dedos, enfia-a no coldre, toma seu trago calmamente, e assim como apareceu, desaparece no nada. Exatamente como Sanjuro/Mifune, que após eliminar uma dezena de vilões, enfia a espada no talim, ágil e impassível, sem um arranhão sequer, e se vai.

Nos faroestes de George Stevens, John Ford, ou mais tarde Clint Eastwood, a grandeza dos filmes está nas sutilezas, nas entrelinhas, na nobreza de caráter do herói sem nome que nutre profunda compaixão pela gente oprimida. Construídos em ritmo lento, com grande elaboração psicológica. Exatamente como nos filmes de Kurosawa. Quem imitou quem? Não importa, no fim tudo foi uma saudável troca de influências mútuas que só nos beneficiou a nós, cinéfilos amantes do bom cinema.

A parceria Kurosawa-Mifune chegaria ao fim em 1965: para a filmagem de Akahigue/Barba Ruiva, requeria-se que Mifune portasse barba natural. A filmagem demoraria dois anos, e ele não podia atuar em outros trabalhos durante a produção, o que levou o ator e sua companhia a dificuldades financeiras, e a desentendimentos com Kurosawa. O rompimento se tornaria inevitável. Tempos depois, quando Mifune obteve consagração mundial por sua participação na minissérie televisiva Shogun (1980), uma produção ocidental, comentários irônicos de Kurosawa gelaram mais ainda a relação.

Uma espécie de “reconciliação” ocorreria em 1993, durante os funerais do amigo comum, Ishiro Honda: após tímida troca de olhares, os dois se abraçaram com olhos marejados após quase três décadas de esquiva mútua. A amizade, porém, nunca mais seria retomada. Ambos faleceram num intervalo de um ano um do outro: Mifune em dezembro de 1997, Kurosawa em setembro de 1998.

Em 2006, a revista de cinema Première Magazine, o colocou em 78º lugar no ranking dos 100 maiores atores de todos os tempos.

Cogitado para o papel de Mr. Miyagui em Karate Kid, a sua atuação no teste de leitura foi considerada… amedrontadora demais pela produção. Na série japonesa Speed Racer, o M no capô do Mach 5 e no capacete do herói Go Mifune, era um tributo a Toshiro.

É o que este post também se propõe, um tributo de eterna saudade a Toshiro Mifune.


2 Comentários para “Sessão Tietagem Com Toshiro Mifune”

  1. Roberto Tongu
    1  escreveu às 19:59 em 5 de abril de 2010:

    Parece ser dono de uma personalidade interessente. Um dos projetos para quando tiver mais tempo é ler a biografia dele.

    Aos 60 anos teve filha fora do casamento. E, mais do que isso, reconheceu-a como filha publicamente.

    Lembro de ter visto na TV o bafafa sobre a filha e mãe sendo barrados no velório do pai.

    A filha tentou vida na show business e o nome artístico usava o sobrenome Kurosawa. Hoje é mais conhecida como a "filha do Kurosawa" do que pelo próprio nome.

    O Kurosawa, a propósito, tem uma prima no Brasil e me parece que lhe fez uma visita quando esteve lá nos anos 70 ou 80.

  2. Naomi Doy
    2  escreveu às 10:20 em 6 de abril de 2010:

    Caro Roberto Tongu,

    Agradeço a visita e as informações.

    Como antiga tiete dos bons tempos do ator, claro, lembro-me de detalhes da sua vida particular.

    Mas convenhamos, estamos comemorando os 90 anos do nascimento do Toshiro Mifune, homem público, ator premiado no Japão, em Veneza, menções em Cannes,…

    Contribuiu muito para o cinema japones, deixou muitas fans: o post foi uma homenagem para elas, para dizer-lhes que Toshiro Mifune ainda é lembrado com carinho por muitas pessoas. Como o excelente ator que foi.

    Naomi Doy.